sábado, 16 de janeiro de 2016

CÂNCER

A chave da vida e da morte


A doença mais mortal do século nasce dentro de cada um de nós, a partir do mesmo mecanismo que desenvolveu a nossa espécie. Por décadas, a ciência buscou armas para expulsar o tumor. Mas agora estamos virando o jogo - o inimigo é o corpo em desequilíbrio. E a resposta para lidar com o câncer está dentro de você.



POR Redação Super
No princípio era a sopa primordial. Uma argamassa de dióxido de carbono, amônia e metano boiando no enorme oceano de 3,8 bilhões de anos atrás. Não se sabe bem quando, essa mistura começou a se organizar; formou moléculas complexas e longas correntes de aminoácidos. Algumas dessas criações desenvolveram a habilidade de se copiar e se espalhar pelo ambiente, num "crescei e multiplicai-vos" químico. Em pouco tempo, a água estava tomada. Até aí, nada de muito interessante teria acontecido neste pacato planeta rochoso, se algumas dessas moléculas não começassem a sofrer mudanças na hora de se multiplicar. Uma passou a se reproduzir com mais rapidez, outra viveu mais, e uma terceira ainda descobriu uma forma de se proteger do mundo exterior criando uma cápsula protetora ao seu redor. Essa molécula multiplicadora era o tataravô do nosso DNA - e sua cápsula, a membrana celular das nossas células. Já as pequenas "mudanças na hora de se multiplicar" são as mutações. São elas que no fim das contas desenvolveram a vida na Terra: fizeram com que essas células arcaicas virassem bactérias, fungos, insetos, peixes, dinossauros, aves e, finalmente, nós, macacos pelados de cérebro avantajado. Sem as mutações não estaríamos aqui. São a chave da vida e da morte. São elas também as culpadas pela mais temida das doenças do nosso tempo: o câncer.


O câncer faz parte do processo natural da vida. Na espreita, dentro de nós, os genes que ativam o câncer esperam por mutações que possam acordá-los e desenvolver a doença.


Sim, eu e você temos no nosso DNA alguns genes que podem converter células normais em cancerosas, conhecidos como proto-oncogenes. Já vieram de nascença. Mas, para o nosso alívio, nem todos despertam. Teoricamente, três a cinco mutações em genes específicos já seriam o suficiente para desenvolver um câncer. Mas, em média, um tumor maligno é o resultado de 400 mutações. Ou seja, o resultado de um azar tremendo.


Imagine o corpo como uma grande orquestra, equilibrada e harmônica. O câncer seria o equivalente a um dos instrumentos, digamos o violino principal, estar fora do tom. Devagar, aquele som desafinado começa a contaminar todos os outros, que o seguem. O resultado, você pode imaginar, é uma barulheira descabida - um equivalente sonoro a um tumor. É exatamente assim com o câncer, doença que se espalha sorrateira. Ela começa com uma pequena inflamação, pode ser algum químico do cigarro ou fuligem, por exemplo, que se aloja no pulmão. Para expulsá-lo, nosso sistema imunológico vai até lá lutar contra ele e desencadeia um processo inflamatório. Nessa briga, pode ser que alguma célula do corpo leve a pior: a toxicidade do alcatrão, por exemplo, pode acordar um oncogene e alterar para sempre seu DNA. Mutante, ela começa a se dividir e multiplicar descontroladamente, muito mais do que as companheiras: uma das características principais do câncer. Se novas mutações aparecerem, e uma delas desligar a capacidade natural do organismo de matar as células, por exemplo, ferrou: o câncer surgiu.
CÂNCER
- Mais de 100 tipos.
- 60 órgãos podem desenvolver câncer.
- 10% dos casos são hereditários.
- 90% são associados a fatores ambientais.


Entre quem tem câncer hoje 50% estarão vivas daqui a 5 anos mais de 40% daqui a 10 anos


5 hábitos de risco originam 30% das mortes
- Obesidade
- Falta de frutas e vegetais
- Falta de atividade física
- Cigarro
- Uso de álcool



Os mais comuns
- 12,7% pulmão
- 10,9% mama
- 9,8% colorretal
- 7,8% estômago
- 7,1% próstata



Os que deixam mais sobreviventes
- Mama
- Próstata
- Colorretal
- Útero


O câncer é a segunda doença que mais mata no mundo (em 2008, quase 14%, ou 7,6 milhões, das mortes foram causadas por ele, segundo a Organização Mundial da Saúde). Mas, se todos nós temos oncogenes, por que só alguns morrem por causa deles? Nos últimos anos, os tratamentos da doença vêm surtindo efeito: nos EUA, de 1950 até 2007, as mortes por câncer diminuíram 8%. Os oncologistas brasileiros garantem a cura de até 70% dos doentes em estágio inicial. Mas os ganhos não foram suficientes para anular as perdas. No Brasil, a parcela de culpa do câncer pelas mortes totais passou de 8% em 1980 para 15% em 2010 (já que os tratamentos das outras doenças avança rapidamente). "Até agora tivemos um progresso, é inegável. Mas, se muita gente segue morrendo, precisamos pensar diferente" diz David Agus, oncologista e autor do livro Uma Vida sem Doenças. "Uma forma é entender o câncer como um verbo. Você não `tem câncer', você está `cancerando'." Se é um verbo, fica fácil explicar por que a incidência do câncer cresce junto com a expectativa de vida. As células do seu corpo não param de se reproduzir - e cada divisão pode gerar alguma mutação e despertar um oncogene. Em uma pessoa idosa, o DNA já foi copiado tantas vezes, que o risco de erros é muito maior. Pense num xerox de um xerox - é sempre pior do que a primeira cópia.


Se a doença convive com a gente, ela também dificilmente será extinta, ao contrário do que a humanidade sonhava. Por muito tempo, os cientistas se preocuparam em buscar armas e munições contra os tumores, como se fossem um inimigo externo que precisa ser expulso a qualquer custo. Não entendiam que ele faz parte de nós. "Se a doença cresce, é porque o corpo todo está doente, não apenas um órgão", diz Agus. Em outras palavras, o câncer só cresce quando seu organismo falho permite - quando aquele primeiro violino saiu do tom. E é para esse lado que a oncologia começa a olhar: para dentro de você, à procura do reequilíbrio do corpo.

Corta aqui, tira ali
Sentada no sofá da sala em São Paulo, numa tarde de sábado, Carmela Talarico sentiu um caroço na mama esquerda. Descobriu por acaso, enquanto coçava o braço. Aos 56 anos, ela sabia o que aquilo podia ser. Na segunda-feira, correu até o médico e marcou os exames que confirmariam o óbvio: estava com câncer de mama. O tumor não passava de um centímetro, mas ela teria de enfrentar uma operação para retirá-lo. Naquela época, começo dos anos 80, as ideias de William Halsted, cirurgião americano, ainda influenciavam os oncologistas de todo o mundo. Halsted só viveu até o ano de 1922, quando pouco se sabia sobre o câncer, mas defendia que se devia eliminar o maior número possível de tecidos ao redor dos tumores para não deixar nenhum fragmento para trás, o que possibilitaria o surgimento de um novo tumor. Em outras palavras, Halsted mandava caprichar na faca.



Suas cirurgias radicais desfiguravam as pacientes. "Na Europa, um cirurgião tirou três costelas e outras partes da caixa torácica e amputou um ombro e a clavícula de uma mulher com câncer de mama", conta Siddhartha Mukerjee, oncologista e professor de medicina da Universidade de Colúmbia, no livro O Imperador de Todos os Males.


Foi essa a cirurgia que Carmela encarou. Felizmente, não foi necessário amputar o ombro ou a clavícula, mas Carmela perdeu a mama esquerda inteira, o músculo peitoral e os gânglios debaixo do braço. Com quase 90 anos, ainda no mesmo sofá e apartamento, sem nenhuma prótese, ela conta feliz: "Se tivesse um tumor do outro lado, faria tudo de novo". Se o câncer tivesse aparecido poucos anos depois, Carmela teria escapado da cirurgia radical. Em 1981, um estudo americano comprovou que a mastectomia radical não apresentava nenhum benefício em relação à cirurgia simples (retirada de só um pedaço da mama) ou cirurgia acompanhada por radioterapia. Anos mais tarde, em 2004, a filha de Carmela, Eliane, também se deparou com caroços - mas só precisou retirar um quarto da mama direita, além de encarar doses de radioterapia e quimioterapia.


Remédios quimioterápicos, aliás, já existiam há alguns anos. O primeiro deles surgiu, por acaso, durante a 1ª Guerra Mundial. Pesquisadores perceberam que pessoas expostas ao gás mostarda apresentavam uma drástica redução de glóbulos brancos, porque ele afeta a medula óssea. Em 1946, cientistas testaram a droga em pacientes com linfomas (câncer das glândulas linfáticas). Funcionou por um tempo. Mas logo apareceram as recaídas. A primeira droga a curar de verdade o câncer apareceria só em 1960, quando dois pesquisadores conseguiram acabar com um câncer raro na placenta de uma paciente.


Qualquer remédio de quimioterapia atinge células que se dividem rapidamente - sejam elas normais ou cancerosas. É por isso que pessoas em tratamento perdem o cabelo, por exemplo. E é por isso também que essas terapias causam tantos efeitos colaterais. Os primeiros pacientes tratados com cisplatina, nos anos 70, sentiam tanta fraqueza e náusea que vomitavam quase 12 vezes por dia. Chegavam à beira da morte. Hoje, a indústria farmacêutica já criou remédios capazes de reduzir os efeitos. Por anos, a estratégia dos cientistas foi testar qualquer tipo de substância - plantas, químicos, remédios - para tentar destruir o câncer, como se ele fosse causado por vírus ou bactérias. Demorou para entender que o perigo morava tão perto.
Ambiente externo
Reequilibrar o ambiente doente ao redor de um tumor pode ajudar a combatê-lo


Uma equipe do Berkeley Lab, nos EUA, liderada pela pesquisadora Mina Bissell, investigou as diferenças entre células mamárias normais e tumorosas. E descobriu que o ambiente ao redor das células ajudava a determinar se elas deveriam fazer leite materno (estado normal) ou crescer desenfreadamente.


O que eles perceberam foi uma enorme quantidade de uma proteína chamada TGF-Beta 1 ao redor das células tumorosas. Se pudessem reduzir essas proteínas, será que a célula danificada se transformaria numa normal outra vez?


Deu certo. Analisar o ambiente em volta da célula tumorosa mostrou qual proteína estimulava o crescimento do câncer. E anulá-la foi suficiente para reverter o processo da doença.



Tiro ao alvo
Só em 1976, os pesquisadores se deram conta de que havia uma ligação entre câncer e os defeitos no DNA. Até então, a maioria deles se dedicava à busca de um possível vírus causador da doença. Peyton Rous, um médico americano, havia descoberto, ainda no início do século, um retrovírus que causava sarcoma em galinhas (um tipo de tumor que se desenvolve em tecidos, como osso ou músculo). Sem encontrar explicação para o câncer, a ideia do vírus atraiu os pesquisadores - tanto que, em 1950, chegou a ser criado, nos EUA, um Programa Especial de Vírus do Câncer. A busca não deu em nada: raros tipos de câncer são causados por micro-organismos. O que descobriram foi que o tal vírus dos sarcomas das galinhas na verdade não causava câncer. O que ele fazia era transportar para dentro dos animais um gene específico - e este, sim, alterava as células e fazia com que elas começassem a se dividir loucamente. Como um software que, uma vez instalado, faz a máquina inteira rodar de uma nova forma.



A descoberta mudou o rumo da história do câncer. Os dois pesquisadores logo perceberam que genes normais podiam, sob influência de fatores externos, se transformar em oncogenes. E, se a culpa era deles, talvez fosse possível desmascará-los e desativá-los. Começou então uma nova maneira de encarar a doença. Um dos caminhos foi olhar para as moléculas produzidas por ordem dos genes: as proteínas. São elas que regem todo o equilíbrio do corpo e podem mandar, por exemplo, uma célula se duplicar rapidamente e virar um tumor. "Mudanças no DNA alteram a estrutura das proteínas. Assim, é possível desenvolver remédios que inibem sua ação e corrigir o defeito", explica Luiz Fernando Reis, diretor de pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Só que a tarefa não é das mais fáceis: cada câncer envolve dezenas de "agentes" diferentes para se desenvolver - e estima-se que existam mais de cem tipos diferentes de câncer.


Fácil não é, mas a americana Barbara Bradfield teve sorte. Em 1990, ela descobriu um caroço debaixo do braço e nos seios. Tinha câncer de mama - e pior: ele já tinha se espalhado nos nódulos linfáticos. Enfrentou quimioterapia e perdeu parte da mama. Ainda assim, um ano depois, o câncer reapareceu - e se espalhou em metástase. A morte era questão de tempo. Mas não foi o que aconteceu. Dois pesquisadores estavam trabalhando havia cinco anos para tratar especificamente aquele tipo de câncer, que precisa de uma proteína chamada Her-2 para sobreviver. Eles perceberam uma quantidade enorme dessa molécula do lado de fora das células cancerosas e encontraram um remédio que parecia desligar sua produção. Durante nove semanas, Barbara recebeu a droga recém-descoberta. O câncer desapareceu, num caso inédito. Assim como o câncer, a cura também estava dentro dela. Os pesquisadores continuaram com os testes e, em 1998, os EUA autorizaram o uso do medicamento, o Herceptin. Desde então, apareceram mais de 20 remédios que acertam em cheio as células cancerosas, as terapias-alvo - durante muito tempo a grande esperança da luta contra a doença. Ao contrário da quimioterapia, eles poupam as células saudáveis e destroem apenas as malignas.


Mas 20 ainda é pouco. Uma maneira de aumentar a criação de remédios específicos para cada paciente partiu do próprio David Agus com a ajuda do engenheiro da computação e inventor Daniel Hillis. Eles inventaram um computador capaz de tirar uma sequência de fotos das proteínas do corpo em ação - algo como ouvir, em tempo real, a conversa entre todas as nossas células, a música tocada na nossa orquestra interna. Só que fazer isso não é uma tarefa fácil. A cada minuto, as proteínas do seu corpo mudam. Se você tirar uma amostra de sangue agora e ir ao banheiro e tirar outra depois, as moléculas serão outras. Pode haver modificações até mesmo durante a análise do sangue no laboratório. Parecia impossível chegar a resultados confiáveis.


Depois de seis anos de trabalho, em 2009, a dupla conseguiu. Com conhecimentos sobre robótica, computação paralela e uma técnica capaz de avaliar as características individuais de cada molécula, Hillis conseguiu fazer imagens em alta definição das proteínas humanas. Uma gota de sangue gera um retrato tão complexo que ocupa um espaço de 40 gigabytes. Agora a missão é identificar quem é quem e qual o papel de cada proteína. (Entenda a complexidade abaixo.) Quando isso acontecer, encontrar remédios que atinjam as células malignas de cada tipo de câncer, em cada pessoa diferente, pode ser moleza. A esperança é que possamos desenvolver remédios para 10 mil proteínas diferentes, e não só as 500 que pesquisamos hoje em dia. "A terapia-alvo olha só para a doença, para uma célula individual. A proteômica olha para a doença e para o entorno dela, para seu metabolismo, para todo o conjunto. Então dá para saber qual remédio funciona melhor para você", explica Agus.
Diga xis
Entenda a análise de todas as proteínas do seu corpo


Com este retrato, é possível saber tudo o que acontece no corpo - ver como seu organismo responde a cada remédio (ou comida, ou substância cancerígena) e se algo vai mal lá dentro. O excesso de uma determinada proteína pode constatar que algo está errado com seu estômago, por exemplo.


1. Uma gota de sangue pode gerar um retrato de todas as proteínas do corpo.


2. Computadores medem a distribuição, o tamanho e a ocorrência de cada uma delas em resposta a um remédio específico.


3. Assim, dá para comparar o retrato proteico de duas pessoas diferentes e traçar o perfil de cada uma.


4. Se duas pessoas tomam um remédio e respondem a ele de forma diferente, já sabemos qual proteína é a responsável.


Comparando os dois exames ao lado, dá para perceber que um mesmo tratamento liberou proteínas diferentes em João e em Maria - ou seja, também será mais eficiente em um do que em outro. Um simples exame de sangue poderá detectar isso. E será possível encontrar um medicamento específico para cada doença, em cada pessoa.



Tudo é um só
A cura definitiva para o câncer ainda não existe. E o mais provável é que ela nunca aconteça, deixando os cientistas do planeta inteiro frustrados (e a SUPER também: há 12 anos, publicamos que o câncer "estava com os dias contados". Ops). A OMS acredita que o número de mortes por câncer, em 2030, chegará a 17 milhões por ano - pouco mais do que o dobro de casos relatados em 2008. Culpa do envelhecimento da população. O câncer não vai embora, mas tende a virar cada vez mais uma doença crônica, como o diabetes ou a pressão alta. Que o diga David Servan-Schreiber, neurocientista francês, professor de medicina da Universidade de Pittsburgh. Em 1992, ele trabalhava em um laboratório de neuroimagem, quando um dos pacientes agendados do dia não compareceu. Para passar o tempo, ele então decidiu se enfiar na máquina de ressonância magnética e se autoanalisar. Descobriu um tumor maligno no cérebro. Passou por cirurgia e quimioterapia. Oito anos depois, o câncer voltou. Depois de mais cirurgias e sessões de rádio e quimioterapia, David decidiu procurar alternativas - não com o objetivo de abandonar os tratamentos tradicionais, mas para aumentar suas chances de cura. "Fui procurar na literatura científica um jeito de ajudar meu corpo a vencer o câncer. E descobri que o jeito como vivemos e comemos aumenta a incidência do câncer", disse em um seminário há alguns anos. Ele mudou a dieta e passou a praticar mais exercícios físicos.



Schreiber não estava sozinho. Outros pesquisadores também acreditam que o estilo de vida pode prevenir ou ajudar o organismo a lutar contra o câncer. Uma vida mais saudável e regrada fortalece o corpo - e, assim, o sistema imunológico ganha um empurrãozinho também. "O câncer não é doença de um órgão só, é o sintoma de um desequilíbrio geral do corpo", diz David Agus. "Você diz que sua casa 'está com um problema de água', quando vê uma poça de água na sala? Ou você procura onde está o vazamento? Não basta secar a água, é preciso consertar o encanamento. É o mesmo com o câncer, envolve todo o sistema", diz Agus.


A ciência não sabe listar com precisão todos os fatores que podem causar câncer. Herança genética tem uma parcela pequena de culpa: de 5 a 10%. Já fumar é quase suicídio: 90% dos casos de câncer no pulmão vêm do cigarro (dos 10% restantes, quase 4% dos pacientes são fumantes passivos). O álcool também aumenta em 5% a incidência de câncer de mama. E outros vários pequenos fatores aumentam os riscos de desenvolver algum tipo de câncer: pesticidas e inseticidas, o contato da pele com o alumínio (atenção com o desodorante), a exposição excessiva ao sol, alguns cosméticos (com parabeno, conservante encontrado em xampus e cremes, ou tolueno, presente em esmaltes, por exemplo), produtos de limpeza, e por aí vai.


Em contrapartida, como você já está cansado de saber, dormir oito horas por dia, praticar atividades físicas, comer mais vegetais e frutas, sempre nos mesmos horários, ajuda a prevenir e enfraquecer o câncer. Sim, definir horário para cada atividade (principalmente na hora de se alimentar) é tão importante quanto o que comer. "Se você come todos os dias às 13 horas e, por acaso, hoje vai comer às 15 horas, seu corpo passou duas horas sob estresse", diz Agus. "O câncer é uma inflamação. Qualquer tipo de estresse, mesmo emocional, faz você produzir substâncias inflamatórias. Então, a substância vai até um órgão qualquer e diz 'nflama'. É um gatilho para desenvolver um problema", completa Daniela Jobst, nutricionista funcional. E é por isso que Agus recomenda todo cuidado para evitar inflamações: desde vacina contra gripe até aspirinas. "O que inflama hoje no seu corpo pode ter um resultado pior daqui a alguns anos", diz.
Para não dar sorte ao azar
Não há uma fórmula mágica - e, sim, pequenas atitudes que podem ajudar a combater a doença


- Adote um cachorro
Ele vai ajudar a manter uma rotina. Você será obrigado a levá-lo para passear ou a dar comida todos os dias no mesmo horário. Comer, dormir e fazer exercícios físicos sempre no mesmo horário deixa seu corpo menos estressado.



- Não fique muito tempo sentado
É tão prejudicial ao corpo quanto fumar. Passar horas sentado muda todo o metabolismo de um corpo feito para ficar em pé: aumenta as taxas de colesterol no sangue e pressão arterial.



- Tome vacina contra gripe
A gripe espalha pelo corpo diversas inflamações e, para vencê-las, seu sistema precisa de muito esforço. Assim, seu corpo sofre um imenso desgaste, envelhece mais rápido - e abre possibilidade para algo pior depois.



- Use sapatos confortáveis
Esqueça o salto alto e o bico fino. Sapatos confortáveis são a melhor maneira de evitar inflamações nas articulações e coluna lombar.



- Prefira orgânicos e congelados
Orgânicos são sempre melhores. Mas, se você compra verduras no mercado, prefira os congelados. No momento em que saem do solo ou das árvores, os alimentos frescos começam a perder os nutrientes. No caminho até a venda, quase tudo já se foi.



Mesmo com todos os cuidados e as tentativas de reestabelecer o equilíbrio no organismo, David Servan-Schreiber perdeu a luta para o câncer. Em 2010, os tumores reapareceram e, um ano depois, o corpo do cientista não resistiu. David nunca abandonou os tratamentos tradicionais (cirurgia, quimioterapia e radioterapia). Mas ele superou as expectativas. Em geral, após o diagnóstico de tumores malignos no cérebro, apenas 15% das pessoas vivem mais de cinco anos. Menos de 10% vivem dez anos ou mais. O câncer precisou de 20 anos para derrubar David. Não dá para falar em derrota.


A tendência é que isso aconteça para todos os pacientes no futuro: a qualidade de vida durante o tratamento aumente, a reincidência diminua e as chances de cura cresçam. Vamos viver mais e melhor. É isso que prometem os tratamentos personalizados e os que entendem o câncer como um pedaço natural de nós. Pode ser que um copo de vitamina C seja bom para você e péssimo para mim. Vai ser possível também descobrir a presença de tumores por meio de um simples exame de sangue. Aí, sim, manteremos o equilíbrio completo do seu corpo e, se fizermos tudo direitinho, preveniremos a doença - você vai saber exatamente como restaurar as forças que trabalham contra seu corpo. É como a medicina oriental, que há séculos entende e trata o organismo como um todo. Por todo esse tempo, estávamos olhando para o lugar errado. Mas agora estamos acertando a mira.

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Fonte: revista Superinteressante Edição 318 Maio de 2013


Imagem: google

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

A PREFERÊNCIA DOS MOSQUITOS

Saiba se é um ímã de mosquitos 

Sente que está no radar dos mosquitos mais do que os seus amigos? 






As pessoas com o grupo sanguíneo tipo O têm duas vezes mais probabilidades de servirem de refeição para mosquitos. Como se não bastasse, os investigadores japoneses que publicaram o estudo sobre a matéria descobriram também que este tipo de sangue é mais detetável por insetos do que qualquer outro. 

Cuidado com a cerveja e com a lua 

Outra preferência destas irritantes criaturinhas voadoras, pelos vistos com gostos gourmet, está relacionada com a ingestão de cerveja. O consumo de apenas uma garrafa desta bebida alcoólica aumenta em muito o risco de ser picado. Deve ter atenção ao que bebe, não só por esta razão, mas também porque há insetos que gostam tanto de cerveja como você. A Associação Americana de Controlo de Mosquitos alerta que estes sugadores de sangue são quinhentas vezes mais activos em noites de lua cheia. 

Pés lavados, mosquitos afastados 

A par disto, se há mesmo cheiro que aguce o apetite a estes pequenos sanguinários é o forte odor de pés sujos. Numa experiência realizada pelo cientista Bart Knols foi descoberto que 75% dos insetos mostraram tendência para picar o pé do investigador enquanto transpirado, no entanto, após a lavagem, o mesmo pé foi picado apenas casualmente. 




Grávidas são alvo perfeito

 Muito se pondera sobre o grau de 'inteligência' dos insetos, no caso concreto dos mosquitos, estes dão sinais de um saber muito apurado, por exemplo, ao perceberem se uma mulher está grávida ou não. As futuras mães são picadas com mais frequência que as outras mulheres. Nos estágios mais avançados da gravidez, as mulheres respiram 21 por cento mais, atraindo mais os mosquitos pela humidade e dióxido de carbono resultantes da sua respiração. Além disso, a barriga das grávidas é quase um grau mais quente do que o normal, o que produz substâncias no suor muito atrativas para os mosquitos. 

As cores que o 'micro-drácula' prefere 

Se pensa em fugir quando vê este picador, não o faça. O dióxido de carbono e as substâncias expelidas pelo suor ajudam estes pequenos insetos a seguirem a sua presa para qualquer lado. Como se a semelhança entre mosquitos e vampiros não fosse já suficientemente clara, está agora provado que estes autênticos 'micro-dráculas' têm preferência por roupas escuras. Sendo que o preto está sempre na moda, é natural que esta seja a cor que mais os atrai. A seguir ao preto, segue-se o vermelho, que também é muito apetecido. Já perante o azul e o cinzento, é mostrada indiferença, enquanto para os repelir o melhor mesmo são o verde e o amarelo. 

Receita repelente vem de longe 

Para os mais céticos no que toca a medidas tradicionais de prevenção contra mosquitos - como o uso de repelentes que muitas vezes fazem alergia -, existem repelentes naturais provenientes da sábia mãe natureza. O ‘repelente dos pescadores' é uma receita antiga composta por 1/2 litro de álcool, 10 gramas de cravo-da-índia (2 colheres sopa) e 100 ml de óleo de bebé (ou óleo mineral, de amêndoas ou coco). Desta forma, irá afugentar os mosquitos e evitar o recurso a químicos, a principal componente dos repelentes vendidos nas lojas. Fica por saber se, além dos mosquitos, esta receita também vai repelir todos os que se encontram à sua volta..



Ler mais em: http://www.cmjornal.xl.pt/nacional/sociedade/detalhe/saiba-se-e-um-iman-de-mosquitos.html

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

MICROBIOLOGIA: BACTÉRIAS E VÍRUS


Donos do mundo

Somos passageiros em um planeta controlado por bactérias e vírus. Nossa vida depende da nossa capacidade de enfrentá-los. O problema é que estão mais fortes do que nunca. E por nossa causa.





POR Redação Super
Alexandre Versignassi e Barbara Axt


De uma hora para outra pessoas iam dormir e não acordavam mais. Se você desse uma chacoalhada, ela até despertava. Aí comia alguma coisa, ia ao banheiro, mas sempre se arrastando pela casa, cansada como se tivesse passado dois dias sem dormir. Então ia para a cama de novo. Talvez para um sono sem fim. Esse sono mais do que mórbido matou 5 milhões de pessoas. Depois sumiu sem deixar vestígio nenhum. Até hoje ninguém sabe que vírus ou bactéria causou aquilo. Foi uma das pandemias mais violentas da história da humanidade. E fora ter ganho um nome (encefalite letárgica - ou "inflamação no cérebro que deixa você pregado", em português claro) a doença continuou envolta em mistério. Apavorante. Mesmo assim a praga quase não chamou a atenção. É que logo depois surgiu um vírus bem pior: o H1N1. Em 25 semanas esse vírus matou mais gente do que 25 anos de aids. No começo, não parecia grande coisa. Quase todo mundo que pegava a gripe acabava sarando. O problema: uma hora tinha tanta gente infectada que a taxa de mortalidade, de 2,5%, foi o bastante para transformar meio planeta num inferno. Escavadeiras passaram a abrir valas para enterrar montes de corpos, embrulhados em lençóis. Chegou uma hora em que parentes das vítimas deixavam os corpos na rua para ser recolhidos. Uma em cada 36 pessoas do mundo acabou morta.

Era a gripe espanhola, causada por uma versão mais letal desse mesmo vírus de hoje, o influenza H1N1. Ela só agiu entre 1918 e 1919, mas foi o suficiente para matar 50 milhões num mundo com 1,8 bilhão de habitantes. Mais do que o dobro de mortos nos 4 anos da 1a Guerra Mundial.


Qual a chance de um estrago desse tamanho acontecer de novo? Os vírus e as bactérias são mesmo uma ameaça tão grande? Para entender a resposta, é preciso conhecer bem os micro-organismos. Saber como eles "pensam" e, principalmente, nos colocarmos no nosso lugar. Os micróbios são mais do que uma ameaça. E nós, menos do que vítimas. Somos apenas passageiros num mundo criado por eles. E totalmente dominado por eles. A começar pelo seu corpo.




As bactérias fizeram você


Você é um sundae polvilhado com Ovomaltine. Pelo menos do ponto de vista dos micróbios. Existem mais bactérias pastando pela sua pele do que gente vivendo no planeta. Para elas, seu corpo é o paraíso, um lugar cheio de oásis onde água e comida jorram o tempo todo, na forma de água, sais minerais e gordura e proteínas. Cada um dos seus poros é como um restaurante onde tudo isso sai de graça. Em troca, elas deixam seu corpo fedendo. As axilas são mais problemáticas porque são as praças de alimentação mais concorridas, com glândulas que produzem mais óleos e proteínas de que elas gostam. E isso porque a pele nem tem tantas bactérias assim, comparado com a parte de dentro. A realidade assusta. Nosso corpo é feito de 10 trilhões de células. E abriga 100 trilhões de bactérias. Da próxima vez que se olhar no espelho, lembre-se: 90% do que está ali não é você, mas uma megacivilização de micro-organismos. "Elas são, em suma, uma grande parte de nós. Do ponto de vista das bactérias, claro que somos uma parte bem pequena delas", definiu o escritor de ciência Bill Bryson em seu livro Uma Breve História de Quase Tudo.


Se elas dominam por dentro, não é diferente do lado de fora. Nas palavras de Nathan Wolfe, um dos infectologistas mais renomados de hoje, se existisse uma enciclopédia de 30 volumes listando tudo o que vive nesse planeta, 27 seriam para descrever vírus e bactérias. Eles formam literalmente uma população de peso. Caso desse para colocar na balança todas as coisas vivas do mundo, incluindo bichos, plantas e tudo o mais, 80% do peso total viria dos micróbios.


Nem precisa dizer que essa maçaroca de vida invisível coexiste em razoável harmonia com a gente. Dentro do corpo, os micro-organismos limpam o intestino, ajudam na digestão, fabricam vitaminas... São tão vitais quanto células humanas. Cada uma das nossas células, aliás, já nasce com uma bactéria dentro: a mitocôndria, responsável por fornecer energia para elas. São os micromotores que nos mantêm vivos.


Mas, se elas dão a vida, também sabem tirar. As bactérias só vivem em harmonia com a gente quando estão nas partes certas do corpo. É um equilíbrio pouco estável. Até as que moram no Jardim do Éden da sua pele podem ser mortais se forem parar na corrente sanguínea. É o caso da Pseudomonas aeruginosa. Ela causa a sepse, uma infecção que destrói os tecidos do corpo. A doença afeta 400 mil pessoas por ano e mata a metade. Às vezes o tratamento é extirpar as partes infectadas. A sepse ficou conhecida por aqui em janeiro deste ano, quando atacou Mariana Bridi, uma modelo de 20 anos totalmente saudável. Ela teve os pés e as mãos amputados antes de morrer. E essa bactéria é só uma entre muitas que podem pegar qualquer um de surpresa, por mais jovem e saudável que a pessoa seja. Mesmo assim, elas não causam tanto medo quanto o outro protagonista do microcosmo: os vírus.


Muita gente trata vírus e bactérias como sinônimos. Em muitos casos, os dois até causam as mesmas doenças, como pneumonia e meningite. Mas não. Um é tão diferente do outro quanto um ser humano de um programa de computador. As bactérias podem até ser extremamente simples - são compostas de uma única célula, tão pequenas que daria para colocar 3 milhões delas na cabeça de um alfinete. Mas são seres vivos como qualquer outro. Elas respiram, comem e se locomovem. Basta haver nutrientes por perto que elas vivem e se reproduzem à vontade. São donas do próprio nariz. Os vírus não.


Para começar, os vírus são bem menores. Se eles tivessem o tamanho de uma pessoa, as bactérias seriam da altura do Cristo Redentor. E mais importante: são incapazes de fazer qualquer coisa sozinhos. Imagine um programa de computador, um dvd do Windows, sem computador. Ele só vai servir para você jogar frisbee. E um vírus é basicamente isso. O software ali é um pedacinho de código genético impresso num pacote de proteínas, com as instruções de como reproduzir o vírus. Mas não há hardware. O vírus é inerte como uma pedra, sem o poder de respirar e comer para gerar sua própria energia - e com ela se reproduzir. Mesmo assim, a vontade de se multiplicar está lá. Igual a você e às bactérias, ele foi feito para gerar descendentes.


Como fazer isso se você é uma pedra? Pegando uma carona em quem pode. Ou seja: nas células dos seres vivos, que é quem sabe fazer isso. Cada célula, seja uma das 10 trilhões do seu corpo, seja a de uma bactéria, é basicamente uma fábrica de fazer novas células, usando nutrientes como peças de construção. O que o vírus faz, então, é invadir a célula e tomar o controle das operações. Transformá-la numa fábrica de novos vírus. Num zumbi a seu serviço.


Os vírus conseguem invadir as células porque elas têm "fechaduras" violáveis. E cada tipo de vírus tem a chave para entrar em um tipo de célula. Por isso que cada um causa uma doença diferente. O HIV, por exemplo, só tem a chave para entrar num certo tipo de célula, chamada CD4, que é fundamental para o funcionamento do sistema imunológico. Ao transformá-las em zumbis, destrói as defesas do organismo. E o corpo do paciente fica vulnerável, sem ter como dar conta nem de doenças brandas. Note bem: se a chave que o HIV carrega fosse para outro tipo de célula, a aids não existiria, ele provavelmente seria um vírus sem nada de mais.


Só continuamos vivos em meio ao bombardeio de vírus, que é diário, por um motivo: nosso sistema de defesa é incrivelmente complexo. Evoluiu ao longo de bilhões de anos, desde os nossos ancestrais de uma célula só, para lutar contra esses invasores. E vencer a qualquer preço. A defesa começa na pele. Ela funciona como uma armadura por um motivo que pode parecer mórbido: a pele é coberta por células mortas. E os vírus não infectam células mortas porque... estão mortas, oras. Não têm como virar fábricas de novos vírus (ah, não esquente a cabeça: pode se esfregar o quanto quiser no banho que essa proteção não vai diminuir). Bom, já que a pele não deixa, os vírus precisam entrar pelos nossos furos: nariz, boca, genitais, ou ir direto para a corrente sanguínea, geralmente via mosquito. Mas é quando conseguem entrar que os vírus e outros invasores se deparam com as nossas armas mais sofisticadas: os linfócitos. São células feitas para matar, que atiram primeiro e perguntam depois. Literalmente: o corpo produz 50 bilhões de linfócitos todos os dias. Cada um capaz de reconhecer um tipo vírus. Como o corpo sabe quais vírus existem por aí? Ele não sabe. Então atira para todo lado produzindo linfócitos capazes de reconhecer qualquer combinação de proteínas possível. Se um vírus estranho penetrar no seu corpo, um desses bilhões de linfócitos vai reconhecer a célula infectada. E, quando isso acontece, rola uma operação quase mágica: o linfócito começa a se dividir, gerando um exército de clones especializados em destruir a célula contaminada com aquele vírus. Esse processo todo demora alguns dias. Nisso, o vírus tem tempo de se multiplicar e causar os sintomas da doença antes de ser atacado. Mas, uma vez que o exército de clones se forma, ele fica para sempre no seu corpo. Continua fazendo patrulha para o resto da sua vida. É por isso que, quando você pega alguma infecção viral, geralmente acaba imunizado contra ela para sempre. Não foi que o seu corpo "aprendeu" a combater a doença. Ele já sabia antes. Já tinha produzido um anticorpo contra o vírus por tentativa e erro. Mas precisou que o bichinho invadisse primeiro para produzir um batalhão de clones do linfócito certo. E aí, sim, ficar imunizado. É assim que as vacinas funcionam: os médicos injetam proteínas de algum vírus no seu corpo (não vírus inteiros, só suas impressões digitais, por assim dizer). Elas deixam você doente, mas iniciam uma produção em massa de clones contra ela. E eles vão ficar lá para sempre.



Mas, se essa Otan dentro do seu corpo é tudo isso, por que não vencemos os vírus de uma vez? O problema é que alguns deles criaram táticas para driblar essa vigilância. O da aids, por exemplo, sabe se esconder do exército anti-HIV que se forma depois de uma invasão. E continua agindo por baixo dos panos, para sempre. Além disso, os vírus têm um grande aliado no planeta: nosso modo de vida. O surgimento de vírus novos e mais destruidores é uma consequência direta da civilização.





Nós fizemos os vírus (ou quase)



Você não gostaria de estar na pele de um vírus letal há 20 mil anos. Pelo menos não na de um dos que atacam seres humanos. É que a oferta de gente no planeta era de doer. O que tinha era alguns milhares de pessoas vivendo esparsas em tribos de caçadores. Se você fosse um vírus mortal, não daria muito certo: contaminaria um homem e, quando tivesse se disseminado para umas 100 pessoas, exterminaria a tribo e ficaria sem sua única fonte de vida. Péssimo negócio. "Não que não existissem vírus violentos na época. Mas eles não vingavam. Provavelmente destruíam todos os seus hospedeiros e morriam junto, antes que eles tivessem tempo de espalhar mais a doença", diz o infectologista Stefan Ujvari, um especialista na evolução dos micro-organismos. Desse jeito, os vírus que deram certo na época, e que continuaram firmes até hoje, foram os mais brandos. Como o da herpes: ele fica lá quietinho na mucosa genital e só "acorda" de vez em quando, causando feridas por onde sai para tentar invadir alguém que o hospedeiro dele levou para a cama. Depois as feridas cicatrizam e o vírus continua lá, sem causar mais danos e à espera de uma nova chance de se espalhar. Matar a pessoa seria suicídio. Mas uma hora isso mudou. Há 10 mil anos o homem descobriu um modo de vida mais eficiente que a caça: a agricultura e a criação de animais. A fartura de alimentos fez a população se multiplicar. Agora a vida de um vírus letal não seria mais tão difícil. Do ponto de vista de um deles, a oferta de corpos para invadir estava uma beleza. Mas de onde eles viriam? Dos animais que estavam por perto. Com os primeiros criadouros, passamos a conviver com quantidades industriais de fezes, urina e outras secreções do gado. Além disso, a domesticação aumentou muito a população desses animais. Mais corpos para os vírus invadirem. E variações mais letais desses micro-organismos começaram a aparecer no gado. Era questão de tempo para que algum vírus assim saltasse para nós.


E foi o que aconteceu. Quem diz é a genética. Nos últimos anos, a ciência ganhou o poder de rastrear a origem dos vírus. Geneticistas comparam vírus nossos com os de animais e conseguem traçar a época em que eles tiveram um ancestral comum. Nisso, concluíram que o vírus do sarampo é parente de um que ataca o gado, o da peste bovina. Ou seja: o vírus dos bois passou por uma mutação genética na época das primeiras criações e adquiriu o poder de invadir pessoas. Invadir e, agora, matar sem dó: sarampo parece besteira para quem passou pelas vacinações em massa contra a doença - como você, provavelmente. Mas até hoje, nas áreas onde não há vacina, o sarampo mata mais de meio milhão de pessoas por ano.


Se o sarampo veio da criação de bois, a gripe é um filhote dos chiqueiros e galinheiros. O caminho do influenza começa nas aves selvagens, que carregam o vírus sem ter como infectar humanos. Mas a civilização deu um jeito de isso acontecer. Durante suas migrações, os pássaros selvagens acabavam bebendo água nos reservatórios das criações de galinha. E também faziam suas necessidades por lá. Aí as galinhas bebiam a água contaminada pelas fezes e pegavam o vírus. Como galinhas e porcos sempre foram criados meio juntos, não demorou para que surgisse algum vírus mutante dessa gripe aviária capaz de atacar os suínos. Nisso o vírus foi circulando entre várias espécies de suínos, aves domésticas e selvagens. Agora imagine: quando duas mutações de um mesmo vírus se encontram no mesmo organismo, e isso aconteceu nas criações de porcos e galinhas, o "casal" pode recombinar seus genes na forma de 256 vírus diferentes. E esses vão se recombinando e recombinando dentro do corpo dos bichos. Aí foi questão de tempo para surgir uma variação que infectasse o homem. No caso, o vírus da gripe humana.


Mas a festa do influenza não parou por aí. Os porcos ficaram vulneráveis à gripe humana e à aviária, além de terem a gripe exclusiva deles. Então até hoje acontece uma suruba genética lá dentro. E versões novas e imprevisíveis do vírus continuam aparecendo. É por isso que todo ano surge uma gripe diferente, que o nosso sistema imunológico não conhece. No fundo, qualquer uma delas pode ser chamada de "gripe suína", pois todas são geradas nesse misturador de vírus que são os porcos. Se a cada ano vem uma gripe nova, em intervalos mais longos aparecem algumas realmente violentas. Foi o caso de 1918. E de agora.




A nova onda de doenças



Apesar de o sistema de saúde hoje ser bem melhor que o do começo do século 20, os criadouros de vírus também são. Hoje há 1 bilhão de porcos no mundo. E quase 3 galinhas por habitante. Se o consumo de proteínas continuar crescendo nos países em desenvolvimento (o que é ótimo), esses números vão triplicar. E a chance de aparecer novas gripes mortais também. A última que meteu medo no planeta aconteceu logo ali, em 2003: foi a gripe aviária, que infectou 423 pessoas e matou 258 - incríveis 61% de fatalidade, contra 0,024 das gripes comuns e cerca de 1% da gripe suína onde ela pegou mais forte. A aviária acabou controlada. A de hoje talvez não fique tão pesada quanto a espanhola. Mas não dá para prever o que pode vir por aí.


"Hoje os sistemas de saúde global funcionam como os cardiologistas dos anos 50, que só podiam esperar por um enfarte para depois agir. Na época, não entendiam como fazer a prevenção", diz o infectologista Nathan Wolfe, que além de dar aulas na Universidade Stanford também é diretor da Iniciativa Global de Prevenção de Vírus. Nathan e seu grupo recolhem amostras de sangue de animais em busca de vírus que possam representar perigo para o homem.


Esse tipo de monitoramento é o melhor jeito de prevenir novas pragas. Só tem um problema: ele é raro. "O monitoramento da gripe aviária é eficaz porque se trata de uma doença capaz de matar uma criação inteira, causando prejuízos sérios ao produtor. Já os porcos não morrem de gripe, então não existe uma vigilância sistemática", diz a infectologista Nancy Belley, da Unifesp. A solução? Aumentar essa vigilância, além de separar criações de galinhas e porcos e mantê-los em condições higiênicas. Só que isso ainda é utopia, principalmente nos países mais probres.


E mesmo assim não seria a salvação: a qualquer momento 500 mil pessoas estão em aviões cruzando o planeta. Junte isso ao fato de que nunca estivemos em contato com tantos vírus novos, seja pelo aumento na quantidade de animais de criação, seja pela caça de animais selvagens, que podem espalhar mais vírus para nós. Desse jeito, um caçador na África pode pegar um vírus mortal e, em questão de dias, estar em outro canto do planeta transmitindo o vírus. Foi o que aconteceu com o HIV, que veio de macacos. Por isso mesmo, pesquisadores acreditam que estamos no meio de uma segunda onda de novas doenças. A primeira foi aquela de 10 mil anos atrás, quando a civilização começou. Outro ponto: não dá para prever novas mutações. O HIV, por exemplo, só não é transmissível por mosquitos, como a dengue, porque não sobrevive dentro do inseto. Mas basta uma mutação simples para que isso aconteça.


No mundo das bactérias não é diferente. Há meio século, um ministro da Saúde Pública americano disse que "as doenças infecciosas estavam eliminadas dos EUA". Fazia sentido. Naquele tempo, a penicilina, rainha dos antibióticos, parecia mesmo eficaz contra praticamente qualquer ataque bacteriano. Mas ele estava errado. A lógica da evolução funciona rápido com bactérias. Em pouco tempo surgem micro-organismos mutantes, que resistem aos antibióticos. E eles tomam o lugar dos micróbios vulneráveis na natureza, deixando nossos remédios obsoletos. Além disso, o homem dá uma força para que isso aconteça.


A maior parte dos antibióticos produzidos no mundo vão para as rações de gado, como precaução contra infecções e porque faz os bichos crescer mais rápido. É a melhor oportunidade do mundo para que as bactérias desenvolvam resistência aos remédios. Existem iniciativas para combater isso, pelo menos. Desde os anos 90 governos do mundo todo, Brasil incluído, proíbem o uso de vários antibióticos para promover o crescimento. Nos EUA, o governo estuda a possibilidade de banir os antibióticos das rações, e usá-los só quando o animal estiver doente. Também não é a panaceia, já que a mera existência dos antibióticos na farmácia é o bastante para criar bactérias mais resistentes. Por outro lado, não podemos viver sem esses remédios. Seria suicídio.


É isso: não existe fórmula mágica para derrotar micro-organismos. Mas isso não significa que eles não podem ser úteis. Enquanto você lê esta página, médicos do hospital Cedars-Sinai, nos EUA, se preparam para combater tumores no cérebro com um vírus geneticamente modificado. Até o fim do ano eles pretendem usar o vírus para invadir células cancerosas de pacientes e matá-las, sem danificar as células normais. A técnica já deu certo em bichos. Esse e outros tratamentos parecidos estão em fase experimental, mas já começam a descortinar um lado bom para esses demônios. Pois é: se não pode vencê-los, junte-se a eles.



Para saber mais

The Invisible Enemy, Dorothy Crawford, Oxford Press.


A História da Humanidade Contada pelos Vírus, Stefan Cunha Ujvari, Editora Contexto.


Breve História de Quase Tudo, Bill Bryson, Companhia das Letras.

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Fonte: revista Superinteressante edição 268 Agosto de 2009 
Imagens: google imagem e superarquivo
Online em: http://super.abril.com.br/ciencia/donos-do-mundo